Crônica: Entrevista
Crônica: Entrevista

Entrevista

 

Na pele sinto a aflição do porvir. Minha cabeça resume as obrigações do dia seguinte.

Ajeito o travesseiro.

Mais uma vez verifico o despertador.

O cobertor me incomoda, sacudo as pernas até tirá-lo da cama.

Viro-me para o lado a cabeça pesa.Abro a gaveta do criado mudo e tiro um comprimido.

Não! Não posso relaxar demais, poderia ficar com sono no dia seguinte, ou pior poderia não conseguir acordar na hora.Desisto por hora da idéia do comprimido que deposito ao lado do despertador.

Viro na cama novamente, esfrego as pernas uma na outras.Minha cabeça viaja.Tudo tem que ser perfeito,nada pode falhar, eu não posso falhar.Vejo-me entrando na sala do entrevistador, ele me olha firmemente como olha todo entrevistador, um olhar que questiona e intimida, um olhar que diz:Estou te analisando, me convença!Sento-me numa cadeira e já tenho prontas todas as respostas às suas perguntas.

Não posso esquecer-me de citar “isso”. Tento guardar a informação preciosa num arquivo separado no cérebro.

Abro os olhos. É urgente levantar-me, esqueci de separar um detalhe crucial da roupa que usarei. Levanto-me e organizo a roupa novamente, parece estar tudo certo.

É melhor dormir, preciso dormir logo.Olho novamente para o relógio.Deito-me.

Sinto frio nas pernas, resgato o cobertor. Meus pés estão frios,minha cabeça pesada.

Respiro profundamente e na ânsia de espantar a ansiedade, expiro num golpe forte e rápido.

Ligo a TV. As catástrofes e crimes anunciados no jornal noturno me perturbam, em minutos desisto da idéia da TV.

Com o fim da luminosidade do aparelho sinto que posso relaxar, mas o tic-tac do relógio me chama novamente. Calculo o número de horas que poderei dormir. Preciso conseguir dormir logo!

Fecho os olhos e reviso os documentos que levarei. ok.ok.Está tudo certo.Não preciso me preocupar, vai ser perfeito.

Ajeito o travesseiro, viro na cama .O travesseiro é de pedra, a cama tem espinhos.Suspiro na escuridão do quarto.

Viro pra cá, desajeito.

Viro pra lá, incomodo.

Levanto-me, vou até a cozinha e abro a geladeira em busca de leite, a caixa está vazia.Frustração.

Volto à cama, antes de deitar-me anoto a falta do leite, mais um compromisso para o dia seguinte.

Deito-me

Fecho os olhos, os pensamentos são muitos, reviso a todo o momento o que vou dizer e o que devo fazer na entrevista. Vai ser perfeito.O emprego já é meu,tenho qualificação, experiência e vontade.Vai ser perfeito.Está tudo bem, vai dar tudo certo.

Tenho medo de olhar para o relógio agora.Preciso dormir,preciso dormir agora!

...

...

Tic-tac.tic-tac

...

...

Tic-tac,tic-tac

...

Trim,trim,trim…

Levanto-me

Os nervos estão pulando, a cabeça girando,pesada.Os olhos denunciam a insônia.

Chego a entrevista , na sala de espera todos me olham, estou sentindo o corpo doendo.Não me sinto bem na roupa que escolhi. A cabeça rodando.

Chamam meu nome.

Ao entrar na sala tropeço em um vaso, me desconcerto. O entrevistador me seca com os olhos e me convida a sentar.

Antes da primeira pergunta tremo, esqueço a postura, já não me recordo das respostas que tão bem planejei.

O entrevistador inicia:

 - Bom dia. Qual seu nome?

Quando abro a boca para responder um bocejo altíssimo, catastrófico:

-ÉÉEEEAAAAAAOOOOOOOUUUUUUUUMMMMMMMMÂÂÂÂÂÂHA.Uááh!

O entrevistador continua:

Próximo candidato, por favor!

Simone Fiorito 27/07/2011